quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Andanças por Havana

Fui para Cuba em 2007 com minha orientadora e chefe, num Congresso. Eu tinha uma imagem do país com mais ou menos uma década de atraso, quando a organização social planificada garantia uma excelente qualidade de vida aos cubanos. Depois da queda do muro de Berlim, com a continuação do embargo americano, a situação cubana piorou e, para atrair divisas, o governo começou a incentivar o turismo, e criou uma moeda pareada ao dólar que os turiatas devem utilizar. Assim, para o turista tudo custa 25 vezes mais do que para um cubano e existem lojas separadas, mas muitos produtos os cubanos simplesmente não conseguem encontrar. Essas informações eu tirei na net, num blog ótimo de um estudante brasileiro que estava morando em cuba (http://radicalrebelderevolucionario.blogspot.com/). Também vi as diferenças no dinheiro, porque alguns cubanos tentam enganar os turistas no câmbio. Mesmo assim, quando eu e minha orientadora decidimos andar pela cidade, sem destino, no dia seguinte, passamos por uma situação dessas. Ela começou a conversar com um casal de cubanos, que se propuseram a nos levar para conhecer a cidade. Fomos até a universidade, tiramos fotos com eles, depois fomos para o bairro de cultura afrocubana. É um lugar incrível, cheio de arte afrocubana, quadros, totens, barracas de ervas e muros pintados. No meio da empolgação, ele nos levou a um barzinho e começou com uma história de que na verdade haviam três moedas, e não duas. Pagou nossa conta e disse que nos levaria ao banco. Chegamos lá, mas o ambiente era meio esquisito, e quando trocamos o dinheiro, não nos deram o recibo. Desconfiamos, destrocamos e fomos atrás deles, que já estavam indo embora. Quando nos demos conta, estávamos na parte "cubana" da cidade: descobrimos então, na prática, que existiam duas Havanas. Alguns espaços da cidade destinados ao turismo foram reformados e algo cuidados, enquanto os espaços destinados à moradia dos cubanos estavam em condições bastante precárias: a cidade era um grande cortiço.

Mas não deve ser confundido com favela: não havia ninguém morando na rua, nem gente pedindo dinheiro e passando fome. Simplesmente nada havia sido destruído, mas nada havia sido conservado, então os prédios antigos de arquitetura neoclássica caíam aos pedaços, e as pessoas penduravam roupas nas janelas dos casarões do século XIX.
E enfrentam dificuldades: às vezes falta água, eles não podem comer carne, que é destinada apenas aos hotéis, e os balcões de abastecimento de alimentos do governo estão em péssimas condições de higiene. Fomos andando num calor imenso. Ali não passavam táxis de turista e éramos proibidas de pegar táxi cubano. Paramos um táxi de bicicleta, e pedimos para que aceitasse um dinheiro cubano que tínhamos. Contamos a situação de terem tentado nos enganar e ele disse: "agora vocês conheceram havana por dentro". Ele nos levou até uma praça central de turismo, onde continuamos nosso passeio até encontrar uns guardas, quando decidimos denunciar a tentativa de estelionato, já que tínhamos as fotos do casal. O guarda e todos os guardas com quem falamos depois me cantaram na cara de pau, e não fizeram muita questão de ajudar - nos indicaram uma delegacia e, quando chegamos lá, o delegado disse que não podíamos fazer a denúncia ali, tinha que ser na delegacia próxima do acontecido. Desistimos. E continuamos andando pela cidade, vendo o farol onde acontece a cerimônia do Canhoaço, e várias bombas são soltadas de canhões.
Quem vê aquela havana não imagina a Havana das vielas, logo ali, a duas quadras... Seguimos pelo Malecon, uma das avenidas principais da cidade, beirada pelo mar, por onde os revolucionários tomaram Havana e assumiram o governo. Chegamos às onze da noite, e fiquei espantada de ver o pique da minha orientadora após 13 horas de caminhada: ela tem sessenta e poucos anos, é fumante inveterada e sedentária, mas estava novinha em folha! Quando voltamos ao hotel, o garçom, para quem contamos a história, nos incentivou a denunciar e alertou a segurança do hotel. Ele nos explicou que quem fazia alguma coisa não era a polícia comum, mas a polícia de imigração, que cuidava dos turistas. Como a delegacia era próxima, lá fomos nós no dia seguinte. Qual não foi a nossa surpresa quando a policial de imigração, após pedir nosso passaporte, (que eu não tinha levado, mas que minha chefe forneceu) disse que as criminosas éramos nós, pois tínhamos feito câmbio ilegal, e que ela iria alertar a interpol!!!!! Ninguém merece. Descobrimos também que eles já tinham fotos do rapaz, embora não tivessem da fotos da menina, e que ele agira no mesmo lugar três ou quatro vezes naquele mês. Eles tinham todas as informações, na verdade... E muitos policiais trabalhavam disfarçados entre os cubanos, prendendo não apenas essas pessoas, mas também os contrários ao regime, de acordo com as fichas que vimos na própria polícia. Acabamos saindo de lá algo arrependidas da denúncia, mas ficamos mais tranquilas depois que amigos advogados aqui do Brasil disseram que nada iria acontecer com a gente. Voltamos para as nossas andanças, e só tivemos um susto final na hora de embarcar de volta, quando na cabine de imigração deixaram minha orientadora lá, uns 15 minutos, o policial olhando a foto do passaporte e o computador, a foto e o computador... Não existem armas em Cuba, o roubo é muito difícil, não existe essa nossa violência brasileira, mas em compensação, ainda bem que eles não dependem tanto da polícia, porque a mistura entre ordem civil e problemas políticos é geral.

7 comentários:

Jefferson Barbosa disse...

Sinceramente, perfeito!
Sempre tive a curiosidade de conhecer alguem que já foi a cuba e que me falasse com detalhes como funciona o "sistema" lá!

Agora, To imprimindo o texto e levarei ao meu professor que adorará.

Anônimo disse...

Não tenho muita curiosidade em conhecer, mas percebo que o local é de uma "riqueza" que vai muito além de lugares efetivamente ricos. Nao acha? bjs!

Super Blogueiros disse...

bacana fiquei com mais curiosidades sobre o pais

Everaldo Ygor disse...

Olá... Mas, que belo blog, e ótima matéria sobre Havana...
A foto do Outras Andanças é de um caminho em Nazaré paulista, proximo um Sitio que costumo frequentar, o Girassol...
Abraços
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/

Guilherme disse...

Cara que locura essa viagem de vocês pra Havana.... Eu não conheço Cuba mas imagino coisas horriveis de lá, não é de se surpreender com o povo aprontando esse tipo de coisa como golpes para sobreviver, eles não tem como se manter, não digo que seja certo o que fizeram com você, mas que a vida deles não é facil... ah isso não é.
Abraço

Unknown disse...

olá vi seu link no site do Nier (meu amigão de faculdade)
vou viajar ano q vem e aproveitei algumas dicas.
Vi nos seus próximos destinos: Sorocaba...
Moro nela, se precisar de lugar pra ficar tenho um quarto sobrando hahah
francinetrevisan@yahoo.com me escreve...abraço - Francine

Israel Carneiro disse...

Havana é um lugar fascinante e de muitos contrastes.